Olhar a crise de novo, agora olhos nos olhos
Quando insisto tanto na dimensão cultural e artística que é preciso trazer para a nossa vida, e a política faz parte da nossa vida, muitas vezes perguntam-me o que é que eu quero dizer com isso, já que encaramos demasiadas vezes a cultura e a arte em função do mercado dos objectos (os livros, as músicas, as imagens, animadas ou não, as esculturas, etc) que criamos e muito pouco nesse trabalho de vaivém identitário que resulta de brincarmos a esse jogo de possíveis em que se constitui a experiência artística.
Ora é fundamental trazermos esta experiência da possibilidade para a nossa vida. Temos de dizer a nós mesmo que podemos viver de outra maneira. Que podemos tomar as nossas decisões de outro modo. Que podemos envolver a comunidade de uma outra forma. O grande drama que vivemos, e que poderá ter contornos trágicos, é que esta clima psicodramático em torno da crise tem como primeira consequência diminuir-nos as possibilidades de acção. Já o esmiucei de outra forma noutro sítio. Cria-se um clima de terror e de desmembramento do mundo senão agirmos logo e não agirmos de uma determinada maneira. E quando mais discutirmos, mais terrível será. O pathos não admite hesitações. Perante o perigo sistémico, outro jargão da linguagem da crise, as várias economias suportaram preços incomportáveis. O Governo decidiu a nacionalização do BPN, Cavaco promulgou o decreto em 4 dias, o Banco de Portugal anuiu e hoje estamos a pagar, por muitos anos, um preço muito elevado sobre isso.